Lei Maria da Penha completa 17 anos nesta segunda

O Agosto Lilás chegou e com ele um lembrete sobre a importância de uma legislação que, sem dúvidas, representa uma conquista em prol do combate à violência doméstica e familiar no Brasil contra todas as pessoas que se identifiquem com o sexo feminino, sendo heterossexuais, homossexuais e mulheres transexuais. Nesta segunda, 7, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340 de 2006), sob um texto de referência mundial na luta contra esse infortúnio social, completa 17 anos desde que foi sancionada, para ser uma ferramenta de mudança no cenário dos casos de violência de gênero.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a violência de gênero como um problema de saúde pública cujos estudos apontam índices entre 20% a 75% desse tipo de agressão em diferentes sociedades. Entre os países da América Latina, o Brasil foi o 18º país a adotar uma legislação para punir agressores de mulheres.

A Lei Maria da Penha é uma homenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia, que foi agredida pelo marido durante seis anos até se tornar paraplégica, depois de sofrer atentado com arma de fogo, em 1983. Por meio dessa legislação foram definidas cinco formas de violência: física, sexual, moral, psicológica e patrimonial. Além disso, a norma alterou o Código Penal permitindo que agressores de mulheres em âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada, sendo impossível serem punidos por penas alternativas. O estatuto também prorroga o tempo de reclusão para três anos, assim como prevê medidas de remoção do agressor do domicílio e proibição de aproximação à mulher abusada.

A advogada Laynara Corrêa ressalta a relevância da promulgação da Lei para a história do país. “A Lei de Violência Doméstica é um marco extremamente importante para a construção de mudanças positivas, mesmo sabendo que muitas mulheres continuam sem denunciar e vivendo em situação desumana. Quando de fato ocorre a denúncia, a Lei é extremamente eficaz e eficiente protegendo de pronto a vítima. A Lei não inibe a violência, mas tem sua eficácia quando ocorre a denúncia”, explica.

Embora a Lei Maria da Penha tenha trazido diversos avanços em relação à proteção contra a violência doméstica, o Brasil, infelizmente, ainda é um dos países com mais registros de violência contra as mulheres. O índice de casos em 2022 apresentou um crescimento de 6,1% em comparação ao ano anterior, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro da Segurança Pública.

“O combate deve começar de forma preventiva, na criação, nas escolas, na educação inicial das crianças. A criança precisa entender desde criança a respeitar e jamais praticar nenhum tipo de violência. A Lei vem de forma repressiva, para amenizar todos os malefícios que a violência causa nas vítimas”, explica Laynara.

Sinais ignorados
A vida da carioca, empresária e chef de cozinha Mechelle Gonzaga foi palco de caos e inferno por cinco anos. Ela não imaginava que um casamento até então “perfeito” fosse ser transformado naquilo que um dia se tornaria um cárcere físico e emocional. “Ele me tratava igual uma rainha, era uma coisa surreal. Aí depois de uns dois anos ele começou a mudar, começou a ter ciúme de tudo e a querer me isolar das pessoas. Para ele, todo mundo era ruim, ninguém prestava. Quando eu notei já estava isolada do mundo. Ele fazia essa violência psicológica o tempo todo e era uma coisa horrorosa. Ele me proibiu até de sair na varanda da minha casa, porque segundo ele eu tinha um amante. Nesse meio tempo, eu também fui demitida do trabalho e comecei a trabalhar com ele. E as coisas ganharam outra proporção já que além da violência psicológica agora também tinha a patrimonial, porque o dinheiro vinha todo dele”, conta.

A violência doméstica está impregnada na nossa sociedade de tal forma que às vezes se torna invisível. Mas, “sempre há sinais”, é o que dizem especialistas sobre os agressores que aparentam ser apenas cidadãos comuns. “Ele dava muitos sinais de que ia me agredir, mas eu não queria acreditar que ele iria fazer isso. A gente não imagina nunca que essas coisas vão acontecer”, comenta Mechelle.

“Então, começaram as pequenas violências físicas como empurrões, ele dizendo também que ia me matar. Já me tranquei dentro do quarto da nossa filha com medo dele. Mas, eu não poderia sair de casa, porque não tinha meu próprio dinheiro. Ainda quando eu estava estudando gastronomia ele me deu um soco no peito. Eu caí no chão, desmaiei, apaguei completamente”, acrescenta.

Assim como milhares de mulheres, Mechelle não denunciou seu agressor e optou por não prestar queixa na delegacia com receio do que ele ainda poderia fazer contra ela. “Eu tive medo de denunciar, porque ele me seguia, me perseguia, eu tinha medo o tempo todo”, disse.

Legislação tardia
Com apenas 16 anos, a técnica de enfermagem Cíntia Aparecida Cardoso foi vítima de violência doméstica e anos mais tarde quase viu sua vida chegar ao fim. “Fui morar com esse meu ex-marido e eu apanhava todo dia. Eu queria ir embora e me separar, mas ele ameaçava me matar. Então, por medo eu fui levando essa situação. Depois engravidei e fugi para Brasília para a casa da minha mãe, mas ele veio atrás de mim dizendo que ia mudar, que seria uma pessoa melhor e eu acabei voltando para Minas Gerais. Ele saía para beber, me trancava em casa e quando voltava, me batia. A verdade é que eu me senti morta por dentro por muitos anos. Eu não podia cumprimentar ninguém ou falar com ninguém. Depois de muita luta e insistência, ele permitiu que eu começasse a trabalhar. Foi em 1999, quando o pior aconteceu. Ele foi na casa da minha mãe pegar uma faca escondida para me esfaquear e assim, aconteceu. Ao todo levei sete facadas…quem me socorreu foi meu vizinho que era bombeiro e me levou às pressas para a emergência onde passei por cirurgias”, conta Cíntia.

Na época, ainda não existia a Lei Maria da Penha e por existirem poucas medidas protetivas e preventivas, Cíntia se sentiu desamparada durante o período mais sombrio de sua vida e de quase morte. “Naquela época, eu era humilhada e ignorada. Eu não sabia o que era pior, apanhar em casa ou ser alvo de deboche dentro de uma delegacia. Além disso, eu não tinha dinheiro para fazer terapia e hoje, sinto o peso de não ter tido esse apoio psicológico ou de ter sido amparada por alguma Lei. Se existissem medidas protetivas como atualmente, talvez minha história tivesse sido diferente. Eu sobrevivi”, disse.

Como denunciar
Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 , “Lei Maria da Penha”

Para entrar em contato com o serviço, é preciso adicionar o Ligue 180 no WhatsApp, enviando uma mensagem para o número (61) 9610-0180.

A atendente virtual, chamada Pagu, irá oferecer várias opções automáticas de ajuda. Mas, a qualquer momento uma atendente da central, composta somente por mulheres, poderá ser acionada.

O Ligue 180 funciona 24h, todos os dias e em todo o país, sem cobranças para ligações.

Por Mariana Alves

 

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